Teagacê lançou o melhor disco do ano no rap nacional? Um potiguar no topo!


A vida é uma guerra, a nossa sociedade é um campo de batalha, onde a luta pela sobrevivência é a norma de milhões de brasileirxs. Artistas independentes penam dentro de um sistema econômico e cultural que tende a expelir quaisquer iniciativas originais, por diversos motivos diferentes, desde da falta de costume, de hábito de nós brasileiros em pesquisarmos artistas para além do que nos é apresentado, até os recentes ataques oficiais do desgoverno federal à arte.

Que se pese aí, uma busca alucinada pelo topo que em geral é reservado a quem se localiza no eixo Rio-São Paulo. É bem verdade, que nos últimos anos o cenário – que ainda não é nacional – tem sido forçado a abrir leves brechas para quem está fora do eixo, para mulheres e LGBTS. Dentro de tudo isso, a luta de vida e morte para ver qual o melhor disco do ano, é uma das coisas mais nojentas por parte dos envolvidos. Por um simples motivo.

Num cenário onde o público não consome nem metade da produção nacional, onde os blogs e canais de conteúdo – guerreiros que são – não conseguem dar conta do todo da produção, eleições são meros reforços do que ai está posto. Ao invés da produção de um mercado cada vez mais inclusivo, da busca de uma maior horizontalidade, veremos a repetição a exaustão dos mesmos nomes nos grandes festivais, e ao mesmo tempo, nomes grandiosos e consolidados que não conseguem fazer uma mera turnê nacional. Sendo assim, a nossa resposta para a pergunta do título é: Sim e Não… sei. Para o meu mano Gaijin é: Com certeza!


O fato é que de tudo que nós ouvimos esse ano, de tudo que foi lançado de norte a sul do país, Teagacê soltou um dos discos mais viscerais, tecnicamente impecavéis, pegajosos, melodicamente sedutor e com um conteúdo que é o reflexo de um artista, critico e poeticamente elevado. De minha parte, não me interessa eleger um album como o melhor do ano, mas antes ter capacidade de julgar o conjunto da produção de modo a não eleger o melhor disco desde o Nó na Orelha do Criolo. hahahaha

Vindo do Rio Grande do Norte, esse δαίμων das rimas conseguiu em seu disco uma construção que reflete com uma limpidez paradoxal às sujeiras que muitas de suas lines transmitem. Teagacê é um dos muitos artistas brasileiros que correm atrás de soltar os penduricalhos de pagar as contas para se dedicar a sua arte de modo integral. Marido, pai, filho, trabalhador e artista, mas azarado por que nasceu no Nordeste, e ninguém aqui tem o poder de apontar-lhes dedos como Midas.


Não importa, nas nove faixas que compoem o Demônio da Máquina de Costura (2019), o Mc costura linhas poéticas e rítmicas com a mesma substância e retiradas da enfieira em que costurou as feridas que a luta pelo real Hip Hop vem lhe causando. Como se sabe: O que não mata, torna-nos mais fortes.

Após muitos anos de cena no seu Rio Grande do Norte, 15 anos de pura batalha e contando, temos um artista no seu auge criativo, e ao mesmo tempo estamos diante de uma tecelagem de ponta. Pulsos (2015), Diáspora (2016), Black Album (2018), Okê Arô (2018) e agora o seu quinto disco, em termos de singles em 2017 Teagacê lançou 112, e no total hoje já contabiliza mais de 300 singles.

A cocaína é uma imagem muito presente nas linhas do Demonio da Máquina de Costura, e obviamente está muito além de mera apologia. Com os números acima mencionados, com a qualidade facilmente encontrada em seu trabalho, e ainda acumulando as funções de um trabalho em tempo integral e as obrigações de pai e marido, são necessárias muitas linhas para manter esse nível de produção.
Não espere encontrar nos cantos rimados desse demônio nada que estiver presente na útlima moda do rap, aqui temos um estilo plenamente singular e que não se parece com nada, nem ninguém. Muito pelo contrário, ao longo do disco, o ouvinte vai sendo apresentado a uma linha melodica, de flow, métrica e a um lirica toda trabalhada na solidão e no isolamento de uma cena pequena em tamanho mas muito forte em qualidade.

Esse mesmo afastamento, tem feito Teagacê traçar relações com outros mcs fora do eixo, assim como com beatmakers que trazem uma sonoridade de prevalência boombap, mas que passeia também pelo trap, com enorme desenvoltura. O disco traz apenas um feat, com o rapper Doggie Killa, na faixa Cocaína e Moccha. E tudo isso pode ser atestado no tom doce e melancólico que as músicas apresentam, quase uma saudade do sagrado, tocado pela força da arte. Essa ideia fica bastante evidente em um interlúdio presente no disco.

Curioso, os super analistas de redes sociais não alcançaram a extrema beleza dessa verdadeira Road Trip hip hop, onde o poeta invade dunas com sua mulher ao lado, em uma missão de amor e guerra. A presença de sua amante e companheira é outra constante, no disco, percebam como Teagacê consegue transformar imagens sobre sexo em algo bonito sem ser púdico, e obviamente sem recair numa misoginia escrota.

Um traço que o Mc carrega no trato pessoal, pelo menos virtual, sempre solicito e de bem com os nossos insistentes contatos para mais informações. Desde a primeira faixa no excelente beat do Aksil Beats, vemos como em 40 Graus, o mano permanece incolúme, sem nenhum traço de ressentimento pela invisibilidade recebida pelos grandes centros.

É àquela luta que mencionavamos lá em cima, que todos os trabalhadores brasileiros se submetem e ainda conseguem em grande parte permanecerem alegres, festivos, muitos conseguindo a façanha de serem serenos, em meio ao caos. É um pouco disso também, que Teagacê comunica em seu quinto disco, como manter-se impassivo na sua missão de fazer arte, de produzir conhecimento, de militar com seu sangue, na cultura hip hop.

Ecce Homo

-Teagacê lançou o melhor disco do rap nacional? Um potiguar no topo!

Por Danilo Cruz [OGANPAZAN]

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